Em seu novo livro, J.J Sutherland dá dicas de como aplicar o conceito nas empresas – não importa qual o setor em que operem
Quais são os segredos das companhias que conseguem aplicar a metodologia ágil, de verdade, em seus negócios? Foi para responder a essa questão – que atormenta executivos de todo o mundo – que J.J Sutherland escreveu seu segundo livro, Scrum: Guia Prático. CEO da Scrum Inc. e coautor de Scrum: a Arte de Fazer o Dobro do Trabalho na Metade do Tempo, J.J é especialista nesse método de gerenciamento que está transformando a mentalidade das organizações. Em sua obra mais recente, que foi lançada no Brasil em 14 de janeiro, ele dá dicas de como aplicar o conceito nas empresas – não importa qual o setor em que operem. Leia um trecho a seguir:
Capítulo 1
Uma nova forma de pensar
Nos anos que se passaram desde a publicação do meu primeiro livro, Scrum: A Arte de Fazer o Dobro do Trabalho na Metade do Tempo, que escrevi junto com meu pai, Jeff Sutherland, cada vez mais pessoas acordaram para o fato de que estamos no meio de uma mudança semelhante no que diz respeito ao modo como o mundo dos negócios funciona agora. Uma revolução está impulsionando a transformação desse setor.
E, como no caso de Lavoisier, está nos mostrando um novo universo, onde os antigos limites não se aplicam mais. Ultimamente, tenho usado uma nova frase em minhas conversas com empresas, CEOs e altos executivos: “O Scrum é a arte de mudar o possível”.
A demanda pelo Scrum está sendo impulsionada por rápidas mudanças sociais, econômicas e políticas, que, por sua vez, estão sendo impulsionadas pela imensa velocidade dos avanços tecnológicos. Com certeza você já ouviu falar na lei de Moore, criada por Gordon Moore, cofundador da Intel.
Em 1965, ele escreveu um artigo com o título Cramming More Components into Integrated Circuits (Como agrupar mais componentes em circuitos integrados). O que hoje é chamado de lei de Moore é a conclusão do artigo: o número de transístores em um chip dobraria a cada dois anos.
Isso é crescimento exponencial. Ah, e ao mesmo tempo o preço desse aumento na capacidade de processamento seria reduzido à metade.
Não somos capazes de perceber a velocidade dessas mudanças. É quase impossível tentar entender o que virá a seguir. Permita-me compartilhar uma velha charada francesa para crianças com o intuito de ilustrar a rapidez com que tudo está acontecendo.
Digamos que você depare com um belo lago cheio de lírios — talvez o de Giverny, tão famoso por todos aqueles quadros de Monet. Imagine: água parada, lírios flutuando, talvez uma pequena ponte, o céu e as árvores emoldurando o lago, pintando-o com seus reflexos.
Agora digamos que o número de lírios no lago dobre todos os dias. Daqui a 30 dias, eles cobrirão por completo a superfície da água, sufocando o lago com pétalas. Sem querer, eles matarão todas as formas de vida — peixes, sapos e até a si próprios. Mas ainda há tempo para salvar o lago, certo? E, no fim das contas, os lírios são lindos. Se você decidir esperar até que os lírios tenham coberto metade da superfície para intervir, quantos dias terá para salvar o lago?
Um. Apenas um. No dia 29 os lírios terão coberto metade do lago. No dia seguinte, cobrirão tudo.
Vou dar outro exemplo do ritmo que uma duplicação de transístores e a capacidade de processamento impõem. Vamos usar a famosa parábola de grãos de trigo em um tabuleiro de xadrez, que remonta ao ano de 1256 (o que já indica que as pessoas vêm pensando sobre esse tipo de assunto há muito tempo).
Se você colocasse um grão de trigo numa casa de um tabuleiro de xadrez e, em seguida, dobrasse o número de grãos em cada casa subsequente, no momento em que chegasse à última casa teria dobrado 63 vezes. Essa última casa teria cerca de 9 quintilhões (9.223.372.036.854.775.808, para ser exato) de grãos de trigo. É um número grande, bem grande. Incompreensível. Intangível. E esse é o ritmo da mudança que estamos vivendo. As velhas formas de trabalhar estão se desintegrando diante de problemas que se transformam rápido demais e que estão simplesmente além de sua capacidade de enfrentamento. A complexidade não é mais algo raro, é algo com o qual temos de lidar todos os dias.
O que acontece depois do que vem a seguir
O Scrum é a forma pela qual uma pessoa, uma equipe ou uma organização se tornam capazes de responder a essa complexidade, de responder a metamorfoses que não podem ser previstas, de se mover com agilidade e entusiasmo através de um espaço de problemas em constante transformação. O ritmo das mudanças pelas quais estamos passando exige uma maneira diferente de trabalhar. O Scrum é uma resposta para isso.
No entanto, para realmente obter o poder do Scrum, o tipo de aumento drástico de produtividade e entrega de valor que ele proporciona, é preciso haver uma mudança fundamental na gestão e nas operações. Embora algumas equipes Scrum possam concluir seus projetos com grande velocidade, o que queremos de fato é o Scrum em nível corporativo.
As estruturas tradicionais têm de mudar, assim como os incentivos e a gestão do desempenho. Mesmo que não façam parte das equipes Scrum propriamente ditas, todos os membros da organização devem aprender como interagir com elas, fornecer o que elas precisam, ajudá-las e gerenciá-las de uma nova forma.
Quando compreendem de fato o escopo da transformação necessária, aqueles que trabalham em organizações tradicionais às vezes simplesmente jogam a toalha. Há burocracia demais, história demais, procedimentos corporativos demais em empresas estabelecidas. Não podemos simplesmente mudar tudo, dizem os gerentes, não é assim que trabalhamos por aqui. E, se as coisas dão errado, eles começam a procurar alguém para culpar.
Não importa quem foi responsável pelo sucesso ou fracasso de uma empresa, nem como o dinheiro foi gasto, nem o que deu errado. A única coisa que importa é: o que acontece depois do que vem a seguir? O passado é passado. Isso é verdade nos negócios, na política e nos relacionamentos. Como você quer que seja o futuro? Como pode se posicionar para tirar proveito das mudanças que sabe serem necessárias? Como incutir em sua equipe, em seu departamento ou em sua empresa não apenas resiliência mas um sistema que realmente ajude a equipe a se fortalecer toda vez que um problema for encontrado? Como podemos construir um sistema robusto o suficiente para que, sempre que um desastre acontecer, sua organização não apenas se recupere mas também aprenda, cresça e aumente sua capacidade?
As melhores organizações aprendem com seus erros e sucessos e, em seguida, usam essas lições de modo sistemático para se aperfeiçoarem. Como costumo dizer às minhas equipes quando me trazem algo que deu errado: “Ótimo. Agora sabemos que isso não funciona. Da próxima vez, tragam-me um erro mais interessante”.
O que você realmente quer é o que eu chamo de uma “empresa renascentista” — isto é, uma empresa que se libertou dos grilhões do passado, das velhas formas de olhar o mundo, e agora é capaz de criar coisas que eram inimagináveis poucos anos atrás. Precisamos de uma lei de Moore para as pessoas. Como nós mesmos podemos nos tornar mais rápidos, eficientes e produtivos? E como fazer isso em escala?
Fonte: Site Você S/A, 29 de fevereiro de 2020